quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

The Crying Game



A poltrona estofada, não consigo me lembrar de quando a adquirimos. Suspeito que fazia parte do apartamento mobiliado em que moramos aos nos mudarmos para Saint Louis. Para ficar com o apartamento tivemos de comprar a mobília que havia nele e, graças a essa circunstância, entramos na posse de alguns móveis que deixariam intrigados os cenógrafos de filmes sobre a vida da classe média baixa. Alguns desses móveis foram sendo gradualmente descartados ao longo das sucessivas mudanças de endereço, mas meu pai nunca quis se desfazer da poltrona estofada. E ela de fato dá a impressão de não poder ser removida de onde está. Parece larga demais para passar pelo vão de uma porta. Sua cor original era azul, um azul que não tinha nada de especial, porém o tempo transformou esse azul em algo mais triste que azul, como se ela houvesse absorvido em seu tecido e estofo todos os pesares e ansiedades de nossa vida familiar, como se tais emoções houvessem se tornado seu próprio estofo e pigmentação (se é que se pode dizer que uma poltrona possui pigmentação). E, todavia, ela não parece uma poltrona. Lembra mais uma pessoa gorda, silenciosa, mas silenciosa não por opção, e sim por não poder falar, pois se falasse não conseguiria concluir uma única frase sem antes explodir num pranto de autocomiseração.

2 comentários:

::Soda Cáustica:: disse...

"maravilindo" xará. De quem é?

Emmanuelle Kant disse...

É trecho de um conto-prefácio-autobiográfico do Tennessee Williams, do "Contos Completos" dele.
E o Stephen Rea, apenas pela cara de poltrona-chorona.