quinta-feira, 24 de abril de 2008

Perto do coração selvagem



Sabe, a minha mãe não aprovou.
Viram logo que ele não era deste mundo.
Nossos vizinhos riam dele.
Era tão simplório que dava pena.
E a minha mãe dizia, é Stalker, está condenado à morte, é um eterno prisioneiro.
E os filhos, minha filha, lembra-se dos filhos dos Stalkers.
E eu não lhe respondia.
Eu também sabia que estava condenada.
Que era uma eterna prisioneira, e dos filhos...
Mas o que eu podia fazer?
Sabia que só junto dele me sentiria bem.
Sabia que muitas desgraças me esperavam.
Só que é melhor uma felicidade amarga do que uma vida apagada, triste.
Também é possível que tenha inventado tudo isto mais tarde.
Só que, quando chegou e disse, anda comigo!

Fui, e nunca lamentei tê-lo feito.
Nunca.
Vivi muita desgraça.
Tive muito medo e vergonha.
Mas nunca me arrependi, nem nunca invejei ninguém.
Foi o meu destino, a minha vida.

A gente é assim.
Mesmo sem as desgraças, a nossa vida não teria sido melhor.
Teria sido pior.
Porque, nesse caso, não haveria felicidade.
Nem esperança.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Les fleurs du mal



O rostinho angelical de Ana Torrent estampa 2 dos melhores filmes já feitos sobre os mistérios da infância, O Espírito da Colméia e Cría Cuervos. Saura certamente a viu no filme de Víctor Erice e quis explorar seu wild side.

O Labirinto do Fauno (eu sou a única pessoa que não idolatrou esse filme) também é explicitamente inspirado no filme do Erice, alguns dizem até que é remake, mas nem vou comparar os dois porque, apesar da inspiração descarada, os filmes têm propostas estéticas bem distintas (e eu, obviamente, prefiro o do Erice).

A leitura mais óbvia é a alegoria do franquismo (que O Labirinto do Fauno explicita), porém, O Espírito da Colméia é um filme mais aberto, sobre a infância, sobre o mal, sobre o indivíduo. Bom, eu disse que não ia comparar, mas já que já tô comparando horrores, acho que a diferença fundamental entre os 2 é que Labirinto é um filme puramente visual enquanto que Espírito, como o próprio nome sugere, é sobre o que não se vê.

http://www.youtube.com/watch?v=umqMZsLC0zA

sábado, 12 de abril de 2008

Masculin-Féminin



"Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira".

Ok, não li Anna Karenina.
Mas essa é a 1ª frase de livro mais famosa do mundo.
E foi a 1ª que lembrei quando assisti ontem The Banishment (o filme do post anterior), de Andrei Zvyagintsev.
Os russos sabem do que estão falando.
Aliás, alguém me explica a afetação de Anna Kariênina?
Muitos dos grandes clássicos em línguas psicodélicas eram traduzidos para a inculta e bela a partir da tradução inglesa ou francesa.
Daí, pra comemorar a 1ª tradução de Anna Karenina diretamente do russo, a Cosac & Naify lançou uma edição lósho, muy auténtica, que, num chilique purista, muda o nome da protagonista: preguiça.
Mas, o post não é sobre Anna Karenina.
E, sim, sobre as famílias infelizes à sua maneira.
O Zvyagintsev só tem 2 longas e os 2 são profundamente marcados pela figura do pai.
Nesse sentido, seria até mais fácil lembrar de Lavoura Arcaica, mas acabei lembrando de um filminho uruguaio que vi no Telecine há pouco tempo, Whisky, que nem é exatamente patriarcal, é um filme sobre um homem solitário, fechado em avareza, de dinheiro e afeto.
O Kleber Mendonça, numa crítica de Brown Bunny (depois da vaia em Cannes, ele se tornou uma espécie de defensor do filme), dizia que a função da personagem da Chloë Sevigny era a de contrabandear amor pra dentro do filme (não sou uma grande fã de Brown Bunny e o boquetchenho da Chloë realmente não me comoveu muito), mas essa definição é perfeita para a personagem da empregada do avarento, contrabandear amor pra vida daquele homem, em vão.
O filme do Zvyagintsev é sobre esse mesmo desequilíbrio, essa mesma vitória do masculino sobre o feminino, em que ambos saem derrotados.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Decifra-me ou te devoro:



Quão disposta estás a abrir mão da delicadeza pour vivre sa vie?

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Pra ouvir quando estiver cansada e tudo for escuridão, umidade, desesperança



É sempre bom ter uma track anti-escuridão-umidade-desesperança a mão.
Eu tenho uma.
Pra fechar a porta, as cortinas, apagar a luz, deitar na cama e fechar os olhos.
Beira Mar, do Acústico MTV do Gil.
A sensação que se tem é a de que Gil e Caetano fizeram a música deitados numa rede, de frente pro mar.
A música te transporta pra lá e faz você se sentir um pouco Burt Lancaster em A Um Passo Da Eternidade, o braço espalhado em praia e o mar na palma da mão.